Lydia Besouchet e os escritos feministas na revista “Vida Capichaba”
A análise das conquistas femininas ainda é motivo de controvérsias. No Dia Internacional da Mulher, comemorado neste sábado (08), mostra-se necessário refletir o quanto as questões supostamente superadas mantêm-se presentes nas diferenças impostas, nas quais as mulheres permanecem sob julgamentos quanto à sua capacidade profissional e modos de ser e viver. Se na atualidade atitudes consideradas do passado continuam tendo força, é possível apreender as dificuldades enfrentadas pelas pioneiras na busca por direitos e igualdades.
Um dos principais espaços de debate quanto às ações emancipatórias no Espírito Santo foi a revista “Vida Capichaba” - veiculada nos anos de 1923 a 1954 - na qual foram publicados os primeiros textos redigidos e assinados por mulheres na imprensa do Estado. O material faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) e pode ser consultado na sede da Instituição ou em versão digitalizada no site da Biblioteca Nacional:http://hemerotecadigital.bn.br/.
A historiadora Lívia de Azevedo Silveira Rangel, na dissertação de mestrado “Feminismo Ideal e Sadio: os discursos feministas nas vozes das mulheres intelectuais capixabas”, afirma que essas escritoras - cujas ideias ousadas para a década de 1930 chocaram e proporcionaram transformações - tinham em comum o modo atípico como desafiaram a ordem patriarcal, contribuindo para a gradativa redefinição das relações de gênero, dentro da nova sociedade urbanizada e no interior da própria instituição familiar. Segundo Lívia, nas páginas da “Vida Capichaba”, as mulheres intelectuais encontraram condições propícias para expressar as suas opiniões e fortalecer uma posição crítica e autônoma. “Ao longo das edições, é possível acompanhar todo o desenvolvimento da literatura feminina espírito-santense, bem como a evolução do pensamento feminista entre essas intelectuais, que escreviam sobre a problemática da subordinação” argumenta.
Dentre elas, destaca-se pela coragem e trajetória, Lydia Besouchet, um dos principais nomes da escrita feminista capixaba. Em uma época na qual o matrimônio e a maternidade eram considerados, muitas vezes, a única destinação, ela se dispôs a refletir e criticar as condições de submissão e o desapontamento com a falta de articulação das brasileiras em prol de um maior espaço, o que ela considerava um direito legítimo. No artigo “Feminismo”, publicado na Revista “Vida Capichaba” em 1932, Lydia Besouchet aborda as ações do Governo para permitir o voto feminino e constata, com tristeza e espanto, a apatia com a qual a novidade foi recebida pelas mulheres, acostumadas a se perceberem inferiorizadas e à sombra de seus pais e maridos, enquanto em outros países eram comuns os embates por mudanças.
Para ela, o direito ao voto “correspondia a uma necessidade consciente, exigido por quem tem o direito de exigir”, porém no Brasil, o que ocorria, era um caso surpreendente, no qual as resoluções vinham de cima para baixo, seguindo as motivações internacionais, e não por pressões daquelas que deveriam reivindicar. Besouchet expõe a sua visão sobre o fato: “Votar!... A mulher brasileira vive ainda na pior das escravidões: aquela que desconhece a sua qualidade de escrava, ainda a ‘presa’ que nega ser propriedade do homem, ou a criada que se orgulha de servir ao seu amo ou senhor”.
Suas opiniões fortes fizeram dela uma personalidade polêmica. Besouchet mudou-se para o Rio de Janeiro e teve significativa atuação política. Quase foi presa diversas vezes e a sua liberdade se sustentou em disfarces e esconderijos. Apesar de ter escapado, Lydia e seu marido, Newton Freitas, viveram no exílio de 1937 até o ano de 1950. Do refúgio no exterior há registros de sua passagem pelo Uruguai e pela Argentina, onde ficou por 10 anos. Lívia Rangel ressalta que a temporada em Buenos Aires foi muito produtiva, local em que se tornou uma autora conhecida e respeitada. O livro “Condição de Mulher”, concluído em Montevidéu, em 1939, foi o seu romance inaugural. E sua estreia na literatura de ficção não poderia ter sido mais emblemática, pois, conforme argumenta Lívia, entrelaçava os aspectos sociais da vida urbana com a crítica aos papéis tradicionais impostos às mulheres.