25/07/2019 10h52

Cultura material afro-brasileira em debate proposto pela Galeria Homero Massena

Artista, curador e professor baiano Ayrson Heráclito participou do encontro no Módulo I: Arte, Sociopolítica e Corporeidades. 

O artista, curador e professor baiano Ayrson Heráclito foi o convidado do Módulo I: Arte, Sociopolítica e Corporeidades, encontro que integra o Programa de Pesquisa e Formação da Galeria Homero Massena. O evento aconteceu nessa segunda-feira (22), no Palácio da Cultura Sônia Cabral, no Centro de Vitória. 

Referência na pesquisa dos elementos artísticos de matriz africana no País, Heráclito ressaltou a importância da cultura do povo Bantu no Estado, onde o legado cultural e artístico é visível pelos diversos saberes de tradições tão presentes no cotidiano. O congo, o jongo, o lundu, o ticumbi e a capoeira são exemplos de elementos da cultura Bantu no Espírito Santo.

“A cultura Bantu é importantíssima nesse complexo cultural que se transformou a cultura afro-brasileira. No período colonial, vieram várias Áfricas para o Brasil, inclusive para o Espírito Santo. Tivemos inúmeros africanos procedentes das regiões que habitavam os povos da cultura Bantu, onde atualmente estão localizados o Zaire, o Congo e Angola. Em outros Estados, por exemplo, vieram os que trouxeram a cultura Fon e Yorubana, oriundos da região que se localizam hoje, a atual Nigéria e o Benim. O meu trabalho temum foco específico em um complexo cultural africano, que se misturou nos navios negreiros e que após chegarem aqui reinventaram outras formas de sociabilidade”.

O artista também enfatizou a inserção e a produção de artistas negros no circuito das artes visuais brasileira nos últimos anos. “Eu acho muito importante a emergência destes artistas e a conquista de espaços expositivos e institucionais que veiculam e apresentam essa produção. A produção da arte afro-brasileira tem que ter e conquistar espaços”, destacou.

Ayrson Heráclito falou ainda sobre a curadoria da exposição Histórias Afro-Atlânticas no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 2018, em particular do núcleo “Rotas e Transes: Áfricas, Jamaica e Bahia”; assim como do seu processo de criação no projeto "Os Sacudimentos: a Reunião das Margens do Atlântico". O projeto o levou a ser convidado pela curadoria central para participação da 57ª Bienal de Veneza, na Itália, em 2017. 

    Ele também comentou sobre seus futuros projetos. “Fui convidado recentemente para participar da 21ª Bienal de Arte Paiz, que será realizada na Guatemala, em agosto de 2020. E lá tem uma história muito interessante. Existe uma pequena comunidade de descendentes de negros vindos da África no período colonial da Guatemala que nunca foram escravizados. Estavam em uma carga de um navio negreiro que naufragou no Caribe. Eles sobreviveram e fundaram uma comunidade. É preciso pensar nessa cultura diaspórica em sua amplitude caribenha, brasileira, na América Latina, na Ásia e na América do Norte”.

O coordenador de Artes Visuais da Galeria Homero Massena, Nicolas Soares, entrevistou o artista, que falou um pouco mais sobre a sua pesquisa:

Nicolas Soares: Durante todos esses anos de trabalho, sua pesquisa tem ultrapassado as categorias estipuladas da arte (escultura, arquitetura, pintura) e atravessado suas rupturas na contemporaneidade (fotografia, instalação, objeto, performance). Acredito que a arte esteja nas intercessões. Como considera as linguagens que apresentam potências significativas aos discursos que você elabora no seu processo criativo?

 

Ayrson Heráclito: As linguagens são táticas, ou melhor, estratégias. Tenho uma compreensão da arte muito ampla e não somente ocidental. Penso arte em uma perspectiva pré-colonial, por isso, não europeia. Então, as linguagens são estratégias que materializam a minha ação criativa. Do ponto de vista formal me movo por conceitos estéticos yorubanos, por isso o meu trabalho tem um poder imagético importante da produção escultórica africana do século 18, 19 e início de 20, na Nigéria, em Benin.

 

NS: O reconhecimento como pesquisador, artista e curador tem levado você para diversos lugares, tanto no centro tradicionalmente entendido como o da arte, quanto a novos centros de produção e discussão. O que tem encontrado nesses lugares? Quais os principais pontos podem identificar de uma articulação feita por esses artistas e pesquisadores?

 

AH: A ideia de centro, de uma centralidade cultural, hoje está muito diferente. Compartilho de um pensamento anticolonial que tem como objetivo desconstruir a hegemonia da cultura europeia no mundo. Eu circulo pelo Brasil, América Latina, Áfricas, Estados Unidos e Europa em espaços geralmente que afirmam e discutem expressões culturais não hegemônicas. Contudo, estar na Bienal de Veneza, palco maior da legitimação do sistema de arte europeu, é tencionar e negociar com o próprio sistema. Na África existem outros sistemas de arte bem distintos que tencionam as consequências do passado colonial na contemporaneidade. Eu sou professor de uma universidade federal fruto de um pensamento de descentralização da educação e da cultura, na cidade de Cachoeira, Recôncavo da Bahia. Isso faz mudar as rotas e os trânsitos dos centros tradicionais.

 

NS: O Espírito Santo é o Estado onde temos uma das capitais mais antigas do País. Como muitos Estados, a exemplo da Bahia, fruto de um regime que escravizou homens e mulheres trazidos da África. Historicamente o Espírito Santo esteve como rota de passagem no período colonial e um dos pontos fortes de aquilombamento, por exemplo, da cultura Bantu. O que conhece no Estado sobre parte desta Afro-diáspora e como acredita que podemos reelaborar subjetividades, a despeito da história?

 

AH: Vivendo na Bahia, Salvador e seu Recôncavo, vivemos cotidianamente a descendência africana. Não é à toa que nos definiram como Roma Negra. Além disso, poderes políticos e culturais fizeram grandes investimentos na economia do turismo para vender a nossa cultura negra como identitária. Isso gerou coisas positivas, mas muitas negativas. O Espírito Santo, com toda sua importante história de africanidades também sofreu processos de invisibilidade da cultura negra, imagino que seja algo semelhante com Rio Grande do Sul, que tem uma história importantíssima. Temos que recontar essa história a partir de nossas narrativas. Contudo, todo o nosso trabalho é de desconstrução dos racismos. Temos a missão de sermos antirracistas e defendemos que por mais que tenham tirado o dendê da moqueca, somos também frutos da diáspora africana e dos indígenas (os donos da terra). E afirmamos a nossa cultura, nossos saberes e fazeres.

Módulo I: Arte, Sociopolítica e Corporeidades

O encontro fez parte do projeto de pesquisa “Processo: Criação Crítica e Mediação”, proposto pela Galeria Homero Massena para o cronograma 2019 e que pretende acompanhar o calendário de exibições. O projeto é coordenado pela professora Rízzia Rocha e pelo coordenador de Artes Visuais da Galeria Homero Massena, Nicolas Soares. O objetivo garantir o acesso, a informação e a formação da população à arte, em especial à arte contemporânea.

Nicolas Soares defende que “o encontro com o Heráclito é potente neste momento em que outras possibilidades de linguagens e epistemologias estão sendo reelaboradas no campo da arte. Estamos em meio a uma nova perspectiva de um sistema artístico noEstado, uma emergência de discussões e abrangência de linguagens que repensam o sujeito, sua história e seu lastro”.

 Texto: Danilo Ferraz e Erika Piskac.

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